31 agosto 2006

O que é que ainda resta da alma lusa?


Ver cinzas…
É esse o fado daqueles que ainda acreditam voltar a ver o vento soprar nas caravelas.

Ver as cinzas dos sonhos de outrora espalhas pelo mar que já foi nosso. Ver arder a alma nas folhas queimadas e no carvão que já foi ramos. Ver afogar-se os ideais nos mares onde já não navegam naus, pois os mares são de chamas e não de água.
Lá no cimo da torre ainda se vê a bandeira, desbotada de sentimentos, verde água e rosa velho. É esta a cor dos sentimentos. São estas as vidas queimadas pelo sol ao longo dos anos, as vidas que ainda restam depois de tantos sonhos perdidos. Se é que algo ainda resta…

Ficou-se sempre pelos “quases”, mas nunca mais além que isso. As emoções que quase se sentiram, mas que se perderam. As vidas cheias de “quases” que quase foram sonhos. Os sonhos que quase, mas só quase, foram vidas. Os “quases” que nunca chegaram a ser, e os “quases” que quase foram.

Para lá dos “quases” ficam as velas e os mastros, lá ao longe no horizonte. Mas o ouro já não vem nesses barcos, ou então são os barcos já não vêm mais. Tudo o que havia ardeu. O solo está estéril, seco, sem vida… tal como estão os corações. A vida que neles existia agora é cinza a boiar no mar, e como tudo o resto, no mar se perderá para sempre. Até ao dia em que venha quem tenha força para remar, pois o vento não sopra mais para este lado. Alguém que traga a vida e semeie a alegria. Para que o ouro floresça nas encostas verdes, para que a alma corra pelos rios que nunca devia ter abandonado.

A vida já não tem voz. Os rios levaram a alma até ao mar e por lá a deixaram, longe da nascente, longe do sentimento. Agora está nas nossas mãos escrever o nosso fado e senti-lo. De além-mar já não vem inspiração para estas palavras, e mesmo o mar já se afoga em rancores e choros pelas perdas. As letras do nosso destino são agora as que bordarmos à maneira antiga nos véus de linho.
Já olhamos por baixo das sete saias da nossa podridão e chegamos ao âmago do desespero. Vimos o que fomos e o que somos. A vida já não vem só do mar. Vem das lutas e das espadas que quebramos à conquista dos sonhos. Os mouros de hoje precedem os louros de amanhã. Mas temos de ser nós a remendar as redes que atiramos ao mar, disso depende o peixe que apanhamos.

Da torre mais alta ela vai cantar as palavras que eu escrevi. E quando as ouvir vou saber. A alma que há em mim desperta. As emoções desbotadas renovam-se no sangue e na esperança. Os rios voltam a vibrar ao som da alma que neles nasce, o caminho para o mar apressa-se. Ainda há mais uma viagem para esta caravela. Porque eu digo, porque eu escrevo o meu fado. Preparem-se! É hora de zarpar!

3 comentários:

ivamarle disse...

Zarpa!!! Persegue a TUA Alma Lusa, ou simplesmente, de cidadão do Mundo. Já não chegam os grandes valores para construir o Homem, nesta sociedade por eles retorcida, tudo se inverteu. É urgente que busquemos em nós, os valores e as altas fasquias que sempre nos desafiaram ;-))

Elipse disse...

Gostei muito, muito deste texto.
Não só pelo conteúdo, lúcido e oportuno, como pela forma, espraiando-se as ideiasa quase como se espraia o mar, com naturalidade e firmeza.
Parabéns!!!

Anónimo disse...

Não imaginas meu velho, a força deste teu povo! Como livre pensador, deténs um poder formidável. És senhor do segredo mais cobiçado da humanidade; o conhecimento das coisas simples. Algo que a mente complexa nunca alcançará.
Não estás só; somos muitos...
Orgulha-te da tua alma lusa. Lembra-te, Portugal é um ideal a cumprir, um estado de espírito...