25 janeiro 2007

Retirado do baú...


Os exames acabaram nem há uma semana e para a semana já começam as aulas. Estava eu nas arrumações de pré inicio de aulas quando desencantei uns quantos textos antigos. Uma coisa é certa, já naquela altura escrevia uma poesia que tinha mais de prosa poética que de poésia. Mesmo assim queria deixar aqui um texto, é da altura do meu nono ano... mas é sempre bom recordar.

Queria ainda agradecer à Elipse duas coisas. Primeiro por me ter dado coragem de expor aqui os meus textos. Em segundo lugar por me ter sugerido escrever em prosa poética, que já era o que eu fazia apesar d tudo, só que sem o saber. Um sincero obrigado Elipse, e um beijo deste teu aluno adoptado.

Quem sou eu?...
Cara cortada,
Riscos profundos que escorrem
Desde os meus lindos olhos até...
Que lâmina poderá fazer isto?
Que coisa é esta que me marcou tanto?
Amor? Não!
Amor não corta, queima!
A paixão também queima,
Que foi então?

Coração aberto,
Sangrando lágrimas!
Como é possível?
Que coisa tão terrível foi
Para me deixar assim...
Neste estado de dor...
Tenho agora a certeza, não foi amor.

Olhos inchados,
Tão vermelhos que eles estão,
E porquê?
Quem me pôs assim?
Algo mais terrível que o próprio diabo!
O que foi que eu fiz, o quê?
Quem sou eu?

Garganta seca arranhada,
Porquê? De cantar?
Não, não ficava assim!
De amar?
Não, pois ninguém me ama a mim.
Só pode ser de cantar,
Que mais poderá ser?
Que mais...
Não sei mas,
Se cantasse, talvez estivesse mais feliz...

Meu deus!

Agora percebi!

Já sei quem sou,
Sou a Tristeza,
Tenho a cara cortada
Porque as lágrimas tristes a cortaram.
Coração aberto, sangrando lágrimas,
De quem não ama nem é amado.

Olhos inchados,
De chorar por ti,
Mas quem és tu?...

A garganta, seca e arranhada,
De te chamar,
De gritar o teu nome para que todos o ouçam,
De te invocar a todas as horas,
De te querer ter,
A ti, só a ti!
Para te partilhar com todos!
Minha querida,
Felicidade!

Depois de passar este texto vejo que há tantas coisas que mudaria se o reescrevesse. Talvez um dia reescreva... mas achei mais importante partilha-lo assim como o escrevi, sem qualquer alteração. Por muito que me tenha custado não mudar algumas coisas...

08 janeiro 2007

"Deitar mãos à obra"



"«O que me surpreende é que tão poucos pensem que também poderiam saborear os frutos do paraíso.»


Henry Miller (1891-1980), Bis Sur e as Laranjas do Jerónimo Bosh (Livros Brasil)
Às almas peregrinas que de longe para visitar o escritor Henry Miller era dado o privilégio de passear com ele junto à sua escarpa com sequóias gigantes e vista para o Pacífico, de sentir os cheiros e o ritmo selvagem do lugar, de horas de conversa espreguiçando-se, entre livros e cafés e interrupções pelas brincadeiras das crianças. Sabiam que no dia seguinte ele continuaria ali, avançando nas páginas em atraso, numa paz eterna, o mar como cenário, belíssimo e inacessível. E demoravam-se na despedida, com uma expressão entre admiração e inveja: «Você tem cá uma sorte.»
A Miller fazia-lhe confusão a impotência das pessoas: queriam viver como ele, mas não o faziam. Não lhe foi difícil saber porquê. «Por certo toda a gente se dá conta, a determinada altura do caminho, que é capaz de viver uma vida muito melhor do que aquela que escolheu. O que geralmente detém as pessoas é o medo dos sacrifícios inerentes. (Até libertar-se dos seus grilhões lhes parece um sacrifício)» E esta é a maior razão de perplexidade.
Que tenhamos medo dos «sacrifícios inerentes» é perfeitamente legítimo, estamos programados para não gostar deles. Preocupante é quando a recompensa nos parece, ela mesma, um sacrifício. Libertar-nos daquilo que nos sufoca, por exemplo. Como se já não soubéssemos viver em liberdade. Como se a perspectiva de ficarmos sem as rotinas e as vozes de comando que nos deprimem e atormentam fosse um passo no abismo.
Olhamos para trás, vemos a energia dos nossos sonhos antigos, e ficamos tristes por perceber a que distância estamos deles. E no entanto, mesmo sem assumir a ruptura radical de Miller, libertarmo-nos dos grilhões só custa num primeiro passo. Acordamos uma ou outra madrugada no pânico da liberdade: e agora, o que é que eu faço? Depois, uma a uma, lemos as respostas pelos cantos. A nova ordem compõe-se desses segredos.
Acima de tudo, será a nossa ordem. Com as nossas sequóias gigantes e a nossa vista para o Pacífico. E, para se ser de carne e osso, com outro elemento igualmente muito nosso: «Com certeza que o paraíso, seja ele qual for e onde for, contém imperfeições. Se não tivesse seria incapaz de atrair os corações de homens ou de anjos.»"

Xis, Público 30-12-06