29 abril 2007


Tocas no piano a música que sabes que eu gosto. Cantas com a tua voz doce a letra que eu escrevi. Não te acompanho com voz nem instrumentos, porque meu apenas é o mundo das palavras. Mas ouço-te atento e através de ti partilho-me contigo.

Como as notas que lanças no ar também eu vibro. Vibra a tua voz que me aconchega, vibram os teus dedos no afagar gentil das teclas e vibram as cordas sob a força dos martelos.

Cantas só para mim. A sala está vazia, só cá estamos tu, eu e o piano. Olhas-me enquanto cantas, e eu, com movimentos mudos, canto a letra que escrevi para ti. Não me atrevo a levantar a voz, não quero estragar o momento. Deixo que sejas só tu a cantar, eu fico a ouvir-te, e a sentir-te.

A canção acaba mas eu ainda vibro. A emoção que os teus olhos não escondem, o teu calor, tudo me faz vibrar neste momento.

No silêncio da sala vazia parece que ainda ouço a tua voz dentro de mim. Algures um joelho treme, um estômago contorce-se, e uma voz que não me atrevo a usar (ou também ela irá tremer) procura as palavras para quebrar este silêncio.

Seria estúpido falar agora? Tentar esconder o tremer da minha voz e dizer aquilo… dizer… nem sei bem o quê! (dizer aquilo que sinto)

Mais inteligente, se calhar, é a tua resposta ao meu balbuciar mudo. (arrepiam-se me os pelos dos braços, sei que é ridículo, mas não sei que fazer) Quando eu não encontro palavras tu encontras outra forma de expressão. Mas não te viras para o piano desta vez. Parece que sabes exactamente o que fazer. No fim de contas, porquê falar quando tudo o que há a dizer se pode resumir num beijo?

12 abril 2007


Peço em vão às ondas que me levem… que me lavem…
Sinto a alma suja, as pegadas que vou deixando pelo caminho perseguem-me. Como se o rasto de mim próprio me ficasse eternamente a lembrar os caminhos que não devia ter seguido.
Como posso querer que as ondas me lavem a alma se nem estas pegadas que deixo para trás desaparecem à passagem da água? Cada onda que passa as pegadas cravam-se mais fundo na areia. E movem-se, movem-se na minha direcção. Passo a passo, todos se viram para mim acusadores. Os que dei em falso, os que dei no escuro, e mesmo aqueles que pensei serem seguros. Todos apontam na minha direcção humilhando-me, deixando-me completamente exposto.
Pegadas incorpóreas que me seguem e acompanham. Agoirando cada novo passo que dou, cada esperança de fuga, que de imediato também se vira contra mim.
Paro. Rodeado por pegadas que me barram o caminho, não sei qual o próximo passo. Ondas sucedem-se, mas as pegadas nem sequer desvanecem. Inquisidoras, olham-me querendo saber o porquê.
Só há uma direcção para onde ir. O próximo passo dou-o em direcção à água. Vou mar adentro, piso as ondas que contra mim vêm. Caminho em direcção ao mundo sem pegadas. Não ficam nas ondas marcas da minha passagem. Instáveis, esfumam-se e mergulham e voltam outra vez. Já ninguém vê que por lá passei.
Mas nem aqui é permitido falhar. Um passo em falso e enterro-me água a dentro. As ondas pairam agora acima da minha cabeça, e debaixo dos meus pés volto a sentir o chão. Começo de novo, passo ante passo. Carrego agora comigo o peso das ondas a rebentar. É este o preço de querer fugir.
Já sinto outra vez as pegadas a espiar-me, sinto-lhes os olhos cravados nas costas. Continuo a andar sozinho, mas agora carrego comigo o peso da cobardia, e mais uma mentira… Sou a onda que para fugir à praia rebentou na rocha.