28 agosto 2007

Não foi por ele que vim. Aliás, nem o conhecia, nunca o tinha visto antes. Bonito como muitos outros, mas um estranho… mais um estranho…

Atravesso a sala. Um visitante na casa que é para muitos última morada. Débeis, doentes, ou simplesmente velhos, abandonados. Os rostos viram-se à minha passagem, mas mantenho-me distante.

(Foi o milénio que nos fez distantes? Foram “os novos modos de vida”?
A verdade é que estamos cada vez mais longe até das pessoas de que estamos perto. Cada vez nos é mais fácil ficar indiferente ao sofrimento dos outros… o homem que tira a comida do lixo, a criança que pede na rua, a sombra que dorme no vão de escada…
Onde aprendemos esta indiferença? Não costumávamos viver em sociedade? Espera… ainda vivemos, não é?)

No meio de tantos era só ela que me preocupava. As marcas da ultima operação ainda não estavam saradas. Mas mais que isso, acho que se sentia sozinha como todos os outros.
No entanto, naquele dia, foi ele que me ficou na memória.

(Será que até ao sofrimento dos nossos já ficamos indiferentes?)

O olhar estava perdido, não, mais do que isso, estava vazio. Já não havia nada para trás daqueles olhos…
Não diria que estava insano, apenas perdido. Os tremores… os tiques nervosos… o abanar de cabeça…
Algo dizia-me que ele estava a olhar para mim apesar de não olhar na minha direcção. Fazia algo… será que me tentava cheirar? Não o fazia na minha direcção, mas mais uma vez acho que era para mim.
Tentou levantar-se, vir na minha direcção, mas o corpo já não o permitia. Continuou apenas a olhar para mim (mais uma vez digo, não olhava na minha direcção mas acho que era para mim!).

Foram os olhos que me prenderam, mas não foi um olhar intenso ou de sofrimento. Foi mesmo pelo facto de estarem tão… vazios. Arrepiantemente vazios… A mente já não estava lá… Sobrava um corpo, um casulo vazio, instável.

No final, vim embora… Não havia nada que eu pudesse fazer por ele… Gestos carinhosos foram tudo o que consegui esboçar.

(Não consegui ficar indiferente… Mas será que não havia mesmo nada que pudesse fazer?
Pensamos isso muitas vezes, dormimos melhor à noite assim… Se calhar é verdade que ainda vivemos em sociedade, mas esta evoluiu… Agora vivemos sozinhos em sociedade. Acho que podemos dizer que vivemos numa sociedade de apartamentos. À semelhança do que se passa num prédio, partilhamos o mesmo espaço, mas estamos todos sozinhos…)



(Esta pessoa de quem vos falo não é uma pessoa, mas sim um cão que encontrei numa das minhas visitas ao veterinário em nome da ABRA. Soube que tinha leucemia, e isso afectou-lhe o cérebro. Todas as emoções e tudo o que ele me transmitiu são, no entanto, como descrevi. Tentei transporta-las para aqui tão bem quanto possível, mas acho que ficou muito aquém do que ele me transmitiu.

Como uns olhos vazios mexeram tanto comigo….)

03 agosto 2007

(Só agora a ver a data do post anterior é que me apercebi do tempo que estive sem internet! Mas até é bom ver que quem se achava dependente de internet (como eu), afinal consegue passar bem sem ela. Ehehe!

Mesmo sem net continuei a escrever, e é isso que interessa, por isso aqui fica mais um texto.)



Porque falo sozinho nesta sala vazia? (Grito!) Arranco ecos às paredes e às palavras sentimento. Triplico-me, repito-me e ouço-me outra vez. Somo tudo, mas no fim só me tenho a mim e uma sala em branco.
Nada entra nesta sala, está vazia. VAZIA! (Ouço-me, triplico-me e repito-me outra vez) Tudo se passa nesta sala, e no entanto, nada aqui acontece. Fico em vão à espera da resposta, mas tudo o que tenho são ecos de perguntas.

Às vezes parece-me ouvir um puxador a rodar, um vidro a partir. Olho para a porta imóvel, para o vidro intacto… nada. Até o silêncio parece ecoar nestas paredes. Até o nada parece existir mais do que uma vez. (Nesta sala nada é, nem eu sou realmente!)

Não sei se quero sair, se quero que alguém entre. Queria poder ficar, queria que ecoassem risos nestas paredes! Incomoda-me o som do nada, mas não sei se estou preparado para o que vem depois do silêncio.

É tempo de arriscar. Parto o vidro com o som de uma pedra, estilhaços enchem-me os ouvidos. Repetem-se, triplicam-se e ouvem-se outra vez. Uma nuvem de brilhos partidos enchem a sala. Ofuscam-me! Não, não estava preparado.
Peço desculpa. (desculpa!) Três vezes desculpa. Sem saber porquê.
(Os ecos do nada pareceriam uma melodia agradável agora)

Não! Não posso pensar assim. A vida é feita de riscos (de risos!). Acho que começo a ouvir ao longe a resposta a uma pergunta que já não me lembro de fazer.

É tempo de dar resposta às paredes (às perguntas!), é tempo de ouvir outros ecos. Só nos ecos do nada encontro as respostas às perguntas que não fiz. Já não ouço o silêncio.